quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Epitáfio

A morte é um produto mal trabalhado. Estou falando da morte em si e não de subprodutos, agências funerárias, cemitérios, etc, estes, definitivamente explorados — só não periga secar as reservas por uso indiscriminado porque a morte tem mananciais inesgotáveis em todo planeta.

Falo “mal trabalhado” menos no sentido do acesso à população, quantidade, e, sim, pela qualidade. Exemplo: hoje gostaria de morrer. Porém, não a morte eterna, definitiva, monotemática e monocromática – sim, “morte” é uma cor –, mas a morte parcial, um dia, uma semana, deixa fluir… Não. Ou morre-se pra valer ou não se morre. Assim, parcela significativa das pessoas não pode usufruir das suas maravilhas: as da fase difícil, as do momento delicado, estressados, cansados, de mal com a vida e, fundamentalmente, as do pé na bunda.

A morte bem poderia espelhar-se nos refrigerantes, iougurtes, carros, geladeiras, cursos de inglês, terapias, os próprios caixões!, tudo, enfim, varia no mínimo cor, preço, público-alvo. A própria vida, indo da modorrenta ou brilhante até a instável, passando pela cotidiana e, finalmente, chegando ao mal-amado. Mas não. Morte? Quer morte? Vai uma morte aí? É assim e está acabado (literalmente). Sem negociação, parcelamento, sabores ou tamanhos – é queima total, liquidação ou não tem papo. A coisa toda é tão mal feita, tão mal administrada, que não temos sequer um SAC, site ou email.

-        MORTE, bom-dia.

-        Bom-dia, eu gostaria de registrar uma reclamação.

-        Pois não?

-        O serviço de vocês é de péssima qualidade!

-        Mas, Sr., nós queremos que o Sr. morra…

Somos, enfim, obrigados a continuar vivendo, dia após dia e, ainda por cima (literalmente 2), com esta sensação de sermos lesados, o palavrão enlatado na garganta e, ironia das ironias, pagando caro, muito caro.

Em resumo, é nisso que dá a falta de compromisso, responsabilidade, a visão curta mesmo do empresariado. Ao invés de desfrutar de todas as suas potencialidades, e, consequentemente, oferecer melhores serviços, MORTE se contenta em ser apenas parte da VIDA. Ah, esses megalomaníacos e a fixação com a eternidade…

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

VIOLÊNCIA E PAIXÃO



VIOLÊNCIA E PAIXÃO

Espetáculo formado em experimentos cênicos e  baseado em fragmentos de textos de Hilda Hilst, Marquês de Sade, Nelson Rodrigues,  experiências pessoais dos atores e fatos reais, além de imagens corporais inspiradas  em obras de James Ensor, Henri Matisse, Coreggio, Botticelli e Fouquet. É uma experiência monocromática que se inicia no saguão do quarto andar da Usina do Gasômetro e termina em pequenas salas de teatro onde o público assistirá cinco mini-peças que giram sobre o tema proposto pelo título do espetáculo.

“O teatro da experiência desperta as paixões e os sentimentos, porque parte das energias elementares próprias de cada um.(...) Impressionado por esta autenticidade emocional que arrebata seus sentidos, espírito e, ao mesmo tempo, o carrega, o espectador deve se decidir e fazer a escolha.” 
Norbert Servos


Direção: Roberto Oliveira
Assistentes de direção: Elisa Heidrich e Elisa Bueno
Concepção: o Grupo
Elenco: Janaína Lima, Alexandre Modesto Farias, Rui Koetzer, Alex Vidaletti, Karina Rocca, Aghata Andriola, Aloísio Dias, Roberta Turski e Scheiler Fagundes.
Produção: Janaina Lima e Juliana Fortes

Serviço....
O que? Teatro - Violência e Paixão
Quando? De 02 a 19 de dezembro - de quintas a domingos - 21h15min
Onde? Saguão do 4º andar e sala 402, da Usina do Gasômetro
Quanto? Antec. 5 pilas/ na hora 10 pilas

sábado, 13 de novembro de 2010

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

IN EXTREMIS


Nunca morrer assim! Nunca morrer num dia
Assim! De um sol assim!
Tu, desgrenhada e fria,
Fria! Postos nos meus os teus olhos molhados,
E apertando nos teus os meus dedos gelados...

E um dia assim! De um sol assim! E assim a esfera
Toda azul, no esplendor do fim da primavera!
Asas, tontas de luz, cortando o firmamento!
Ninhos cantando! Em flor a terra toda! O vento
Despencando os rosais, sacudindo o arvoredo...

E, aqui dentro, o silêncio... E este espanto! E este medo!
Nós dois... e, entre nós dois, implacável e forte,
A arredar-me de ti, cada vez mais a morte...

Eu com o frio a crescer no coração, — tão cheio
De ti, até no horror do verdadeiro anseio!
Tu, vendo retorcer-se amarguradamente,
A boca que beijava a tua boca ardente,
A boca que foi tua!

E eu morrendo! E eu morrendo,
Vendo-te, e vendo o sol, e vendo o céu, e vendo
Tão bela palpitar nos teus olhos, querida,
A delícia da vida! A delícia da vida!

Olavo Bilac

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

do Livro dos Prazeres - Clarice Lispector

E parou com a possibilidade de dor, o que nunca se faz impunemente. Apenas parou e nada encontrou além disso. Eu não digo que eu tenha muito, mas tenho ainda a procura intensa e uma esperança violenta. Não esta sua voz baixa e doce. E eu não choro, se for preciso um dia eu grito, Lóri. Estou em plena luta e muito mais perto do que se chama de pobre vitória humana do que você, mas é vitória. Eu já poderia ter você com o meu corpo e minha alma. Esperarei nem que sejam anos que você também tenha corpo-alma para amar. Nós ainda somos moços, podemos perder algum tempo sem perder a vida inteira. Mas olhe para todos ao seu redor e veja o que temos feito de nós e a isso considerado vitória nossa de cada dia. Não temos amado, acima de todas as coisas. Não temos aceito o que não se entende porque não queremos passar por tolos. Temos amontoado coisas e seguranças por não nos termos um ao outro. Não temos nenhuma alegria que já não tenha sido catalogada. Temos construído catedrais, e ficado do lado de fora pois as catedrais que nós mesmos construímos, tememos que sejam armadilhas. Não nos temos entregue a nós mesmos, pois isso seria o começo de uma vida larga e nós a tememos. Temos evitado cair de joelhos diante do primeiro de nós que por amor diga: tens medo. Temos organizado associações e clubes sorridentes onde se serve com ou sem soda. Temos procurado nos salvar mas sem usar a palavra salvação para não nos envergonharmos de ser inocentes. Não temos usado a palavra amor para não termos de reconhecer sua contextura de ódio, de amor, de ciúme e de tantos outros contraditórios. Temos mantido em segredo a nossa morte para tornar nossa vida possível. Muitos de nós fazem arte por não saber como é a outra coisa. Temos disfarçado com falso amor a nossa indiferença, sabendo que nossa indiferença é angústia disfarçada. Temos disfarçado com o pequeno medo o grande medo maior e por isso nunca falamos no que realmente importa. Falar no que realmente importa é considerado uma gafe. Não temos adorado por termos a sensata mesquinhez de nos lembrarmos a tempo dos falsos deuses. Não temos sido puros e ingênuos para não rirmos de nós mesmos e para que no fim do dia possamos dizer "pelo menos não fui tolo" e assim não ficarmos perplexos antes de apagar a luz. Temos sorrido em público do que não sorriríamos quando ficássemos sozinhos. Temos chamado de fraqueza a nossa candura. Temo-nos temido um ao outro, acima de tudo. E a tudo isso consideramos a vitória nossa de cada dia. Mas eu escapei disso, Lóri, escapei com a ferocidade com que se escapa da peste, Lóri, e esperarei até você também estar mais pronta.
Lóri sempre se espantava de como Ulisses a conhecia. Mas apesar de ele poder compreender, receava sua censura ou de que ele desanimasse e a abandonasse, e nunca lhe dissera que o "mal" muitas vezes voltava: o ar dentro dela tinha então cheiro de poeira molhada. Vai recomeçar, meu Deus? Perguntava-se então. E reunia toda a sua força para parar a dor. Que dor era? A de existir? A de pertencer a alguma coisa desconhecida? A de ter nascido?
E depois, estancada a dor como se não tivesse sequer havido, exausta, após ter nadado quilômetros no universo vazio, ficara ofegante, jogava-se nas areias brilhantes de um planeta, imóvel, de bruços.
Também não dissera a Ulisses de como melhorara a penosa sensação de estar solta o fato de estar solta mesmo: o pai perdendo o grosso da fortuna, ela mudara-se sozinha de Campos para o Rio, comprara o pequeno apartamento onde vivia, sustentada regiamente pela mesada do pai. Com quatro irmãos homens, e ela filha única, o pai lhe mandava o que ela quisesse. Com um terço da fortuna que restara dava para eles viverem como ricos, mas felizmente para ela acabara-se a possibilidade de viajar sem parar pela Europa. Não contara a Ulisses por vergonha: ele era, ao que ela entendera, socialista e não admitiria sem escárnio ou revolta dar-se com ela sem desprezo.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

"Clov...será que nós estamos começando a significar alguma coisa???"


(Samuel Becket - Final de Partida)